domingo, 11 de outubro de 2009

A leveza no ar.


Estou com um livro em mãos que se chama 100% Cliente. É um pocket book voltado para pessoas nos ramos comerciais, mas sem dúvida alguma muitas coisas se aplicam ao setor da aviação civil.

Tenho notado que meu jeito de voar mudou bastante depois que voei com meu chefe. O cara não parava um instante, andava pela passarela (corredor do avião) de um lado para o outro, servindo bebidas, distribuindo materiais de marketing da empresa, conversando com os clientes e teve uma até que chorou lhe contando uma situação pessoal delicada pela qual estava passando. Em momento algum ele disse que quem estava ali era o comissário chefe da empresa. Também, por questão de senioridade, não voou como chefe de cabine. Foi na Galley comigo, no trabalho braçal e administrado. Claro, sua experiência é incontestável, 23 anos de vôo, impossível não seguir a risca suas dicas e conselhos. Para completar a experiência ele calçou luvas de plástico e foi limpar o banheiro. Ufa. Saí do vôo com uma enxurrada de questionamentos que me atormentaram.

O cara não chegou onde está por acaso... e ele me disse que todos os dias dos seus 23 anos profissionais como comissário de bordo ele trabalhava desta forma. Sem parar! E se o chefe, que teoricamente pode se dar o luxo de qualquer coisa, trabalha desta forma, se doa e se desdobra desta forma, se ele está sempre fazendo algo a mais, por quê EU não faria isto? Por que eu posso me dar ao luxo de sentar durante o vôo para “descansar”. Descansar do quê? Pra quê? Descanso, tenho em casa.

Voltando ao livro, tenho realmente executado muitas das propostas que li aqui. O encantamento do cliente é realmente uma coisa que tem efeito Mas sinto que ainda não faço o máximo, preciso ainda me desdobrar como ele, me dedicar ao extremo.

No livro, há passagens interessantes: “Qualidade não custa nada, o que custa é a não-qualidade”. Realmente. Tenho percebido que nunca mais encontrei uma situação difícil de cliente mal-humorado a bordo. Sim, há um casinho aqui, outro ali, mas nada que mereça relatório. E eu acho que sei o motivo desta mudança: meu SORRISO agora é permanente. Antes era uma vez ou outra, agora não! Quando estou executando o serviço de bordo, servindo a bebida ou o lanche, sempre inicio a conversa com o cliente com um baita sorrisão! Confesso que algumas vezes estou sem a mínima vontade de sorrir. Daí eu penso na experiência de vôo que tive com o chefe e que ninguém é obrigado a olhar para uma comissária carrancuda. Mas esperem, não faço meu melhor pelo chefe... não! Faço por mim. Se abstraio qualquer aborrecimento e sorrio, logo percebo um passageiro duas poltronas à frente da que estou servindo me olhando fixamente com um sorriso bobo no rosto. É até engraçado e a corrente de felicidade se propaga. Rsrs...

Parece bobo o que estou falando? É fato, o pior é que é mesmo. Ontem mesmo, quando um passageiro fez uma piadinha que antes me irritaria eu fui honesta com ele e brinquei com a ousadia de me perguntar se eu poderia servi-lo bebida de alto teor alcoólico. Às vezes, ele sabe que não pode, entro na dança e retribuo a brincadeira. Outras vezes ele realmente não sabe que não pode e, num tom bem informal, lhe explico por quê motivo não lhe servirei VODKA!

Outro cliente, um senhor de idade, ontem mesmo me perguntou assim durante o vôo: “Você é sempre sorridente assim?” eu lhe respondi: “às vezes, quando estou dormindo, não. Ah, pra falar a verdade, quando estou enfezada também não”. Os passageiros ao redor deram uma gostosa gargalhada.

Mas há um ponto delicado nessa história de “Tudo pelo cliente”. Estamos falando de aviação civil. Estamos falando de aeronaves, comissárias de bordo que antes de serem atendentes são agentes de segurança. E aí chegamos num ponto crítico da relação comissários-passageiros: Quando eles se recusam a nos obedecer.

Desculpem, mas não concordo com a regra criada pelo Steven Leonard Jr., presidente da Stew Leonard's Store de que “O cliente sempre tem razão.” Segunda regra: “Se alguma vez o cliente não tiver razão, leia a primeira regra”... Opa, peraí, quando envolve segurança de vôo o cliente nem sempre tem razão. Não vamos entrar em conflito, tentar gerenciar, solucionar das melhores formas, mas se ainda assim a falta da consciencia do risco que aquele passageiro indisciplinado está causando a todos nós, não há decolagem e nem vôo....

Bom, pra finalizar, agora comprei também um livro chamado "Avião, viaje sem MEDO"... o próximo post será sobre ele. E vamos voar leves porque assim manda a lei da natureza!


Nenhum comentário:

Postar um comentário